Luciane Buriasco

Luciane Buriasco Isquerdo: Acabou ou não acabou a esquerda no Brasil?

Por Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo  em 23 de janeiro de 2017 - 08:30

Luciane Buriasco Isquerdo: Acabou ou não acabou a esquerda no Brasil?

Desde a queda do Muro de Berlim, a esquerda vive uma situação difícil, afinal, o comunismo era sua alternativa mais concreta ao capitalismo. Sem um regime propriamente, mas apenas políticas privilegiando maior justiça social, a esquerda, no Brasil, para ascender ao poder, escondeu sua ala mais totalitária e propôs um ganha-ganha entre ricos e pobres: não se atrapalharia os grandes capitalistas e se incrementaria a renda dos mais pobres. Tudo se saiu bem pegando carona nos dois dígitos de crescimento da China, nosso grande comprador de commodities. Sabia-se que essa situação se retrairia, mas se confiou no populismo, ou como se queira chamar o carisma político que diz às massas o que elas querem ouvir e assim se mantém apoio popular. Ao mesmo tempo, a corrupção alcançou números recordes e isso, sem que fosse esperado, veio à tona, especialmente pela atuação independente da Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário na Operação Lava Jato.

A casa caiu para a esquerda no Brasil. Antes disso, os políticos de centro-esquerda já se tinham voltado para a centro-direita ou mesmo direita, aderindo à política econômica neo-liberal. É o caso de Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, José Serra, e mesmo Tony Blair na Inglaterra.

A direita conseguiu consenso em seu programa econômico e político: privatizações, flexibilidade na seara trabalhista, restrições sistemáticas às aposentadorias, gastos enxutos em serviços públicos, tudo para arrumar o caixa, mantendo o ganha-ganha de certa forma: seguem os benefícios aos mais pobres e os grandes empresários sem pagar o pato. Aliás, quem vai pagar o pato é a classe média, que é quem depende de emprego (PL 4193, 427, PLC 30, entre outros prometidos, como de aumento da jornada de trabalho para 12 horas), aposentadoria (PEC 287 – 65 anos, 49 de contribuição) e mais diretamente de serviços públicos (PEC 241 ou 55 – congela gastos).

A se julgar pelo cenário mundial, não seria de se estranhar se por aqui os políticos de esquerda migrassem para a direita e seguissem com o populismo, procurando agradar a classe média. Esta necessidade é a constatação do Fórum Econômico Mundial, em Davos, este ano de 2017, inclusive. Diante da brutal e cada vez maior desigualdade produzida pela globalização, e, especialmente, pela insatisfação da classe média que levou Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e à saída do Reino Unido da União Européia, há que se tornar o capitalismo mais lucrativo para as massas. E não estão falando dos miseráveis, ou seja, referem-se à classe média.

Além da desigualdade, o declínio do emprego nas indústrias, que exige pouca qualificação do trabalhador, também foi pauta. Segundo a revista The Economist da semana passada (Manufacturing: They don’t make’em like that any more), um em dez trabalhadores na Inglaterra vem da manufatura. Na Alemanha, um em cinco. E esses empregos não migraram necessariamente para países mais pobres. Parte deles apenas. Boa parte simplesmente desapareceu com inovações tecnológicas, incremento da produtividade e redução de custos.

Como se vê, o discurso hegemônico é de direita, mas as pautas internacionais, que sempre chegam aqui com um certo atraso, são de esquerda: desigualdade social, desemprego, algum tipo de concessão que o capitalismo globalizado tenha que fazer, ou pareça ter feito, para seguir no poder.

Assim é que essa esquerda brasileira que se desenhou nos últimos 35 anos no Brasil acabou. Terá que mudar de sigla, de pessoas, de discurso. Deve migrar para a defesa dos interesses da classe média. Que bom se apresentar propostas de políticas públicas que diminuam a desigualdade social e se comece a pensar o que se fará com a grande sobra de trabalhadores desqualificados.

No pior cenário, o populismo migra de esquerda para a direita, os oportunistas conseguem seus cargos, seguem corruptos, mas mais discretos, e nada é efetivamente feito quanto às pautas de esquerda.

No melhor cenário, a defesa dos interesses da classe média se torna a nova esquerda, com os totalitários e corruptos tendo se tornado suas mazelas do passado, e se ameniza de alguma forma os efeitos da globalização econômica, tanto num programa de governo de esquerda como de direita, pela hegemonia do discurso, com o Estado implementando políticas de combate à desigualdade social e cuidando dessa sobra de trabalhadores desqualificados, qualificando-os e fazendo com que sejam absorvidos pelo mercado de trabalho de alguma forma, o que sequer se consegue imaginar por ora como seria. É um cenário possível, ainda que não seja o mais provável, ao menos não a curto prazo.

Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e bacharel em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.