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Rogério Tenório de Moura: "Por que tanta violência?"

Por Rogério Tenório de Moura*  em 13 de novembro de 2008 - 07:12

Por que tanta violência?

A delinqüência não constitui problema novo. Há mais de 2.000 anos, um sacerdote egípcio grafou numa pedra: "Nossa Terra está degenerada. Os filhos já não obedecem aos pais". Entretanto os números quase epidêmicos de crimes hediondos que ocorrem hodiernamente não nos deixam dormir tranqüilos. É impossível assistirmos impassíveis aos índices cada vez mais altos de delinqüência “infanto-juvenil”. Não, amigo leitor, não quis dizer delinqüência juvenil, mas sim infanto-juvenil mesmo! Tornou-se fato rotineiro a participação de crianças no crime organizado, seja em funções subalternas, seja em ações mais ousadas e elaboradas. Outro dia vendo minha tevê “sangrar” durante o telejornal ainda consegui me surpreender com o fato de uma criança de onze anos de idade ter sido presa pela 12ª vez por roubo de carro!
Os crimes violentos e com requintes de crueldade sempre existiram e deixaram a sociedade estarrecida, comovida (lembra-se do caso de Abel e Caim?), no entanto, de alguns anos para cá estão acontecendo com freqüência cada vez mais elevada.
Em um intervalo ínfimo de tempo vimos uma filha de classe média alta tramar a morte dos pais para ficar com a herança; em outro caso similar foi um filho (publicitário e gerente da empresa do pai); fomos informados do fato surreal de dois ladrões arrastarem uma criança por quilômetros após terem roubado o carro da família; ficamos estarrecidos com a denúncia de um pai ter de fenestrado sua filha do sexto andar do apartamento onde morava; soubemos de pais que mataram e esquartejaram seus dois filhos e depois ainda atearam fogo aos seus restos mortais; assistimos um jovem matar sua ex-namorada após ter mantido-a refém por mais de cem horas por não aceitar o fim do namoro; descobrimos em uma mala abandonada em uma rodoviária o corpo de uma menina de 9 anos, antes estuprada e estrangulada. Isso para não falarmos em vários outros crimes violentos dos quais não tivemos notícia por não terem sido evidenciados pela grande mídia.
A violência parece tomar conta não só do país, mas do mundo, de modo apocalíptico. Muitos dos atos de violência ocorrem pela falta de segurança, pela certeza da impunidade, porém o que estamos assistindo é a violência ocorrendo em muitos casos, não apenas pela falta de segurança, mas pela maldade instalando-se dentro do Ser humano de maneira insana, se é que há alguma sanidade em alguma espécie de malefício!
Ao tomarmos ciência de determinados crimes é nítido que estão sendo praticados por pessoas doentes emocionalmente. Cidadãos que vivenciaram atos internos e externos profundamente traumáticos ou de ordem comportamental que os levaram adquirir algum transtorno mental, digo isto devido ao requinte de crueldade em seus crimes. Em boa parte destes casos fica evidente a existência de transtornos psiquiátricos, mas na maior parte ocorrem devido a falhas na formação emocional do indivíduo (o que é diferente de transtorno psiquiátrico, caso contrário todos seriam inimputáveis e estaríamos todos à mercê da sandice do próximo).
Assim sendo a falta de estrutura familiar é, ao lado da ausência de religiosidade, o maior mal da história da humanidade! Observamos dia a dia, pelos exemplos que damos aos nossos filhos, que estamos construindo uma sociedade individualista, egoísta e que a família cada dia mais vem se esfacelando, perdendo-se as referencias. Prova inconteste disso é o número avaro de horas que passamos em família diariamente (assistindo televisão juntos não vale). É evidente para qualquer educador atualmente a total falta de sintonia, de conhecimento que a maior parte dos pais tem de seus filhos, sobretudo adolescentes.
Recentemente o célebre professor , palestrante e escritor Sérgio Cortella, em entrevista ao igualmente célebre professor , palestrante, escritor, político e apresentador de televisão Gabriel Chalita, declarou, para o espanto de todos os presentes, que certa vez sua filha adolescente, hoje com 28 anos, ameaçou se matar jogando-se do nono andar do prédio onde moravam se ele não a deixasse acampar com as amigas; ele, impassível, afirmou: “Não faça isso, minha filha, o sindico acabou de mandar reformar o pátio do condomínio, será um prejuízo muito inoportuno.”
Continuando sua explanação afirmou que fizera isso em pleno juízo e amor, pois conhecia sua filha e justamente por isso sabia que ela não seria capaz de levar a cabo sua ameaça; porém a maior parte dos pais hodiernamente, seja por peso de consciência pela longa ausência, seja pela total falta de conhecimento dos limites de seus próprios rebentos acabam cedendo e tornando-se reféns dos mesmos.
Muitos valores fundamentais para a formação do caráter têm sido renegados aos filhos e assim, a educação tornou-se tão ampla que, como resultado final, aumentaram as carências emocionais do Ser humano moderno. Em suma, embora a atual sociedade de consumo tenha propiciado aos indivíduos o que sempre se almejou, essa mesma sociedade e esse mesmo consumismo vem tornando-se uma prisão dia a dia para o homem.
Como resultado dessa carência os jovens tem buscado consolo, quando não uma “razão para viver”, nas drogas, na sexualidade precoce e patológica, que fatalmente as levará a mergulharem em profundas depressões ou desenvolverem transtornos psicóticos levando-as a cometerem crimes contra terceiros ou contra si mesmo, tais como os crimes passionais.
Percebemos que as pessoas estão perdendo a capacidade de pensar, de refletir, de ponderar e então, ao primeiro contato com a desilusão, com o medo, com a ansiedade acabam tomando atitudes completamente desastrosas e sumarias.
O homem parece estar voltando as suas origens primárias perdendo a capacidade de sentir, de amar, de viver em sociedade. Está regredindo as suas origens de predador, sem o mínimo de empatia.
É óbvio que não podemos excluir os fatores tradicionalmente, e simploriamente, apontados, como o desemprego, o abismo social existente em nosso país, a sensação de impunidade (que reforça o sentimento de que o crime compensa), o surgimento de guetos urbanos, mas essa é só a ponta do iceberg.
Ratifico que simploriamente porque é comum encontrar em comunidades extremamente carentes jovens que, mesmo sendo oriundos do mesmo meio que a bandidagem, tomaram caminhos diferentes. Logo só se pode conceber que são a estrutura familiar e os valores éticos e morais repassados pelos pais os responsáveis por levar um jovem em situação de risco a trilhar o caminho do bem, do trabalho árduo e dos estudos.
Outra prova contundente de que atribuir a escalada da violência meramente a questões econômicas é uma visão facciosa é o fato de termos visto continuamente no noticiário policial filhos das classes média e média alta protagonizarem crimes mais e mais agressivos e desafiadores. Demonstram requinte de crueldade mesclada a uma sagacidade surpreendente. Quando pegos, apresentam-se ressentidos, geralmente pelos pais, mas jamais arrependidos.
Já os jovens das classes menos favorecidas, quando entram para a criminalidade apresentam elevado grau de falta de autocontrole, parecem ter menos auto-estima e maior número de sentimentos de inadequação pessoal e de rejeição social e emocional. Apesar de sua freqüente postura de desafio, tais adolescentes tendem a ter péssima opinião sobre si mesmos.
Embora obviamente a influência das pressões do grupo de companheiros e de um ambiente social, geralmente adverso, desempenhe um papel consideravelmente alto para o ingresso do jovem na marginalidade, a influência dos pais pode ser decisiva. Entre os delinqüentes, o relacionamento entre pais e filhos tende a caracterizar-se pela hostilidade mútua, pela falta de coesão familiar e por rejeição, indiferença, discórdia ou apatia por parte dos pais.
O modelo parece quase que invariável, beirando o estereótipo. Os infratores, sobretudo do sexo masculino, tendem a ter poucas ligações com o próprio pai e a considerá-lo modelo de comportamento totalmente inaceitável. Suas mães costumam ser descritas como descuidadas dos filhos ou como sendo inadequadas nessa função, além de hostis ou indiferentes, mais do que amorosas e responsáveis. A maioria desses jovens provêm de lares desfeitos.
As discussões sérias e honestas entre pais e filhos, conduzidas numa atmosfera calma, mas realista, podem, em geral, ser de muita ajuda; especialmente se o relacionamento se basear na convivência, na confiança, no afeto e no respeito mútuos. Quando tal comunicação não for possível, quando parecer que alguma perturbação emocional está desempenhando papel importante no comportamento indisciplinado ou quando a transgressão for muito séria, convém buscar assistência profissional, fora disso, é preciso que os filhos sintam que seus pais estão seguros de si e do melhor para a família, afinal os progenitores são modelo e referência em qualquer espécie do reino animal.

*Rogério Tenório de Moura é licenciado em Letras pela UEMS, especialista em Didática Geral e em Psicopedagogia pelas FIC; vice-presidente do SISEC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cassilândia).