Geral
Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela!
Outra vez o gerúndio
Pelo correio eletrônico pede-me o leitor Lázaro que lhe esclareça uma dúvida, muito antiga, sobre a origem e o uso do gerúndio. Segundo ele, essa forma verbal não é usada de maneira nenhuma, tanto na linguagem escrita, como na língua falada, em Portugal, embora muito empregado no Brasil, o que lhe parece um paradoxo.
Não sei de onde você, Lázaro, colheu essa informação de que o gerúndio é uma criação do português que se fala no Brasil.
O gerúndio é tão antigo que no latim era um substantivo-verbal, que entrava na conjugação do verbo ao lado do infinitivo e do supino. O idioma português herdou, como as demais línguas românicas, a forma ablativa: o sufixo ndo precedido da vogal temática, a (ando = falando; endo = correndo e indo = sorrindo.
O gerúndio é empregado em Portugal normalmente, tanto quanto ou até mais que no Brasil:
Proferindo estas palavras, o gardingo atravessou rapidamente a caverna e desapareceu as trevas exteriores (Alexandre Herculano Eurico, o presbítero, 32ª ed., Bertrand, Lisboa, s.d., p. 180) [gardingo = homem nobre];
Andando, andando, escureceu-nos (Adelino Ribeiro: O Malhadinhas mina de diamantes, Bertrand, Lisboa, p. 137);
Vagaroso, o tempo foi passando (Miguel Torga: Novos Contos da Montanha, 3ª ed., Coimbra, p. 21);
Já no largo oceano navegava / As inquietas ondas apartando; / Os ventos brandamente respiravam / Das naus as velas côncavas inchando (Camões: Os Lusíadas, I, 18).
O gerúndio é a forma nominal do verbo usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos frequentativos, ou para expressar a ação incoativa (incoar = começar, principiar) de um verbo, quando estiver junto dos auxiliares ir e vir.
A grande questão ligada ao uso do gerúndio é que esta forma verbal é amplamente empregada de forma incorreta, principalmente em serviços de telemarketing e atendimento ao consumidor:: O senhor pode estar respondendo a uma pesquisa?
Esse vício de linguagem tem suas origens na língua inglesa. Seria uma tradução literal do emprego do verbo going to. Ex: I am going to do something (Estou indo fazer algo). O gerúndio é corretamente usado quando transmite a idéia de movimento, progressão, duração, continuidade.
Em Portugal é comum o emprego do infinitivo, regido da preposição a, em locuções formadas com os verbos andar, estar, ficar, viver e semelhantes, com o valor de gerúndio:
Andam a correr pelas ruas - Estou a ouvir um ruído - Ficou a esperar o amanhecer - Vive a chorar pelos cantos da casa.
Quando precedido da preposição em indica tempo, condição ou hipótese:
Em Vieira morava o gênio; em Bernardes o amor, que em sendo verdadeiro, é também gênio (Castilho, in Antologia Nacional, p. 186).
Veja, meu caro Lázaro, que a informação que lhe passaram a respeito do gerúndio é totalmente falsa. O que talvez lhe tenham dito é que o português de Portugal ainda não está contaminado pelo gerundismo, a mania do brasileiro moderno: Neste domingo vou estar assistindo ao jogo São Paulo x Palmeiras- Precisamos estar construindo um novo modelo econômico. Isso, porém, já foi assunto de um outro comentário.