Geral
Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela
Está na hora de a onça beber água
Possivelmente você já leu neste jornal frases como estas: O fato de os consumidores fazerem uso excessivo da energia elétrica, ocasionou o apagão. Da mesma forma, você já deve ter ouvido essas mesmas frases com o de eles ou de o fundidos: O fato dos consumidores fazerem....
Na linguagem coloquial, na fala do dia-a-dia, a contração da preposição com o artigo é uma variante lingüística que gramáticos, como Adriano da Gama Koury, consideram válida: Cheguei antes do banco abrir suas portas. E é dessa maneira que se fala no Brasil.
Sabemos que há uma linguagem popular, oral, coloquial, condescendente com as regras gramaticais e uma outra, formal, escrita, culta, presa a conceitos lingüísticos preestabelecidos. O falar entra para dentro é bem diverso do entre, embora ambas as expressões estejam a formular um mesmo convite.
Vamos aprender do infinitivo juntos: Votarem e libertar são verbos no infinitivo. Qual o sujeito do infinitivo votarem? Eles. E de liberar? O prefeito. Note que todos esses sujeitos estão precedidos de uma preposição (de + ele = dele; de + o = do). É regra gramatical: a preposição não se funde com o sujeito do infinitivo. Mudemos os termos das orações tomadas como exemplos: No caso de votarem eles a favor do projeto... Na eventualidade de liberar o prefeito a verba. Observe que com essa mudança, o sujeito ficou depois do verbo e a preposição de antes.
Preposição é a palavra invariável que relaciona dois termos da oração, de tal maneira que o sentido do primeiro termo antecedente é explicado ou completado pelo segundo conseqüentemente: (Casa de Pedro). Nos exemplos acima, a preposição de não está relacionando os termos antecedentes (respectivamente eventualidade e caso) aos termos conseqüentes (o prefeito e eles). Resumindo: não se pode fundir tal preposição com o pronome eles, do primeiro exemplo, e nem com o artigo o (de o prefeito), do último, porque estas palavras estão separadas da preposição. Lembre-se, a preposição une dois termos.
Assim, em linguagem formal não podemos contrair a preposição com um artigo ou um pronome que antecedam o termo que funciona como sujeito do infinitivo.
Dito isso, Está na hora de a onça beber água, é a linguagem escrita nos padrões gramaticais vigentes. Mas a sonoridade do falar brasileiro, este menos rígido que o lusitano, (note: falar brasileiro) tende a fundir o de com ele, com o o e com o a, a ponto de gramáticos de peso consideram válida essa contração.
O professor Pasquale Cipro Neto tem uma passagem que é a chave-de-ouro deste comentário: Vale lembrar uma velha canção popular: Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido um domingo para ir com a família ao Jardim Zoológico... Reconheceu? Ouro de tolo, interpretada por Raul Seixas. Qual o sujeito do verbo ter? É o Senhor é claro. Pela lógica, a preposição por, que não faz parte do sujeito, não se funde com o artigo o. Eu devia estar feliz por o Senhor ter me concedido.... No padrão estritamente formal é assim. Mas que dá uma tremenda vontade de fundir por e o dá, ou não dá?.
Cá entre nós, aconselha o professor Pasquale, é muito melhor mudar a ordem: Eu devia estar feliz por ter o Senhor me concedido um domingo.... Não é para fugir do problema, não. É por clareza e elegância mesmo.